segunda-feira, 8 de março de 2010


Decifração de um país

Entrevista a Humberto Pereira da Silva 

"Um Enigma Chamado Brasil” reúne 29 “interpretações” do Brasil. Numa iniciativa assim, alguns nomes canônicos, como Gilberto Freyre, Sérgio Buarque de Holanda e Caio Prado Jr., vêm à mente; numa iniciativa assim, também, pode-se pensar igualmente em ausências e “presenças fora do lugar”. No livro, nomes como André Rebouças, Gilda de Melo e Souza e Roberto Schwarz, não teriam tanto a pretensão de “interpretar” o Brasil, mas sim os condicionantes sociais de certo período histórico-cultural?A historiadora Lilia Schwarcz e o sociólogo André Botelho falam sobre o livro “Um Enigma Chamado Brasil”:


André Botelho: Uma das constatações do livro que organizamos é que o interesse, e mesmo o empenho, em interpretar o Brasil, de conhecer a sociedade como um todo, persiste após o bem sucedido processo de institucionalização das nossas ciências sociais; ainda que, naturalmente, isso seja feito agora de acordo com os critérios de cientificidade válidos em nosso tempo, o que sem dúvida implica em maior especialização disciplinar do que nas interpretações do passado.
Mas, mesmo quando se trata de um tema à primeira vista mais circunscrito, como a moda ou uma leitura dos romances de Machado de Assis, a visada geral da sociedade que ganhamos é impressionante. Isso tem a ver com a qualidade da abordagem dos autores, é claro, mas também com certas características da própria sociedade brasileira, que não lhes dá sossego ou segurança.
Com alguma provocação eu diria que, mesmo entre os autores dos verbetes, há alguns “intérpretes do Brasil” que poderiam tranquilamente figurar, pela importância e alcance das suas obras, como objetos do livro; e para citar apenas dois deles, penso nos professores Luiz Werneck Vianna e Sergio Miceli, e, sobre este último, aliás, eu mesmo já escrevi nessa chave.
Rui Barbosa, Celso Furtado, Alfredo Bosi, Dante Moreira Leite e Roberto da Matta teriam lugar entre os “interpretes” do Brasil?Lilia: Eu concordo com você que outros autores poderiam entrar. Celso Furtado, Alfredo Bosi e Roberto da Matta, que você cita, são exemplos gritantes, assim como José Bonifácio. Nós tínhamos uma limitação temporal e pragmática, que era alimentada pelos temas e autores já trabalhados pelo grupo que se reúne na Anpocs (Associação Nacional de Pós-graduação e Pesquisa em Ciências Sociais).
Mas um livro como esse pode ser sempre considerado como uma obra aberta e vir a ser ampliado. Celso Furtado já estava na lista dos faltantes; o Bosi não estava, mas a partir de hoje estará também. Eu e o André (Botelho) estamos anotando todas as sugestões e, se possível, incluiremos novos verbetes, numa outra edição.
Por outro lado, se as pessoas partirem de outras áreas, vão encontrar novos autores fundamentais. Quer dizer, autores que se movimentam a partir da discussão na medicina, do direito, da engenharia e por aí afora. Enfim, essa é obrigatoriamente uma obra infinda, pensada nesses termos. Quem sabe venhamos a animar outras iniciativas nessas mesmas bases.


Mas eu acho que no formato do livro dá para perceber um padrão nas interpretações. O livro revela uma preocupação de situar historicamente a trajetória do intérprete e em fornecer elementos para a compreensão do Brasil.
Lilia: A ideia era um pouco essa. Partimos de estudos acadêmicos, mas nosso grande desafio era convencer os colaboradores que precisávamos alcançar um público leitor mais amplo. Por isso fizemos um livro sem notas, sem tantas referências e contando com uma linguagem mais accessível. A intelectualidade brasileira, de fato, encontra-se mais madura para um tipo trabalho como esse, que se abra para a sociedade em termos mais amplos.André: Esse, de fato, é um dos desafios centrais para a intelectualidade brasileira do nosso tempo, especialmente para os cientistas sociais. A divulgação científica, entendida como a comunicação entre especialistas e o leitor leigo, é componente crucial não apenas do trabalho intelectual, mas de uma esfera pública democrática.Qual foi o critério para a seleção das 29 “interpretações” do Brasil?Lilia: Na verdade o que acontece é que -como está destacado na apresentação do livro- a ideia partiu de um grupo de trabalho, o que é uma raridade. Chama-se Grupo de Trabalho Pensamento Social no Brasil e se reúne todo ano na Anpocs (Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais). Ele tem se reunido inclusive mais de uma vez por ano.
Vários pesquisadores que colaboraram para a realização do livro já trabalham tradicionalmente com esses autores (Oliveira Vianna, Gilberto Freyre, Sérgio Buarque de Holanda, Caio Prado Jr., para citarmos apenas alguns nomes). Então, uma primeira seleção foi feita de maneira pouco ortodoxa. Ou seja, nós pegamos os trabalhos existentes no grupo, e fizemos uma seleção dessas pesquisas, visando um panorama amplo do pensamento social do e no país.

André: É isso que explica, inclusive, como dizia a Lília antes, a ausência de alguns intérpretes muito importantes nessa primeira edição do livro, o fato de a seleção ter operado num universo predefinido a partir das trajetórias dos pesquisadores ligados a este grupo de trabalho.

No livro há um tema que domina boa parte dos ensaios e mobiliza autores com perfis diversos. Trata-se da presença do negro na formação de uma identidade brasileira. Para vocês o acerto de contas com a questão racial é o problema mais saliente para “decifrar” o “enigma chamado Brasil”?
Lilia: Você tem toda razão; quer dizer, se você perguntar para o André a resposta seria talvez um pouco diferente. Eu penso que a questão racial no Brasil, sobretudo a temática da escravidão e a relação com a população negra, perpassa o pensamento brasileiro muito antes desses autores que nós reunimos.
Já Von Martius, em seu “Como Se Deve Escrever a História do Brasil”, escrito em 1843, colocava a questão do negro –ou melhor da mestiçagem- como um tema fundamental. O estudioso alemão, que fez expedições pelo interior do Brasil sob patrocínio do rei da Baviera, foi o primeiro a salientar a importância de escrever a história do Brasil tendo como elemento básico o caldeamento de raças.
Penso que a questão racial é o limite e a grande contradição para o pensamento social brasileiro em vários momentos da história nacional. Ocorre que o problema acaba sendo fundamental para uma série de autores –ora como elogio, ora como crítica. Se você tomar um autor como Nina Rodrigues, que é o que eu trato no livro, a questão negra é um problema sem metáfora; é um problema de fato para o Brasil, que vai marcar a ausência de futuro: sua degeneração.
Mas, se você tomar autores que guardam uma perspectiva mais culturalista, como Gilberto Freyre, a concepção será totalmente diferente. E aí vamos: de Manoel Bonfim até autores mais recentes, como Roberto Schwarz. A questão racial, especificamente a questão negra, é central para a compreensão desse enigma brasileiro; enigma aí tomado como contradição. Como pensar em modernidade e escravidão? Discriminação e inclusão oficial?
André: Eu concordo com vocês. Não dá para pensar a formação da sociedade brasileira sem discutir o papel da escravidão e, por conseguinte, da população negra. Diria mais: o fato do Brasil ainda ser um “enigma” tão mobilizador tem a ver em grande medida com a escravidão e o seu legado. Mas eu não sou especialista no tema, ao contrário da Lília, cujos trabalhos são hoje referencias obrigatórias –recomendo particularmente a leitura do fundamental “O Espetáculo das Raças: Cientistas, Instituições e Pensamento Racial no Brasil: 1870-1930”.
Minha compreensão geral da questão racial também passa pelo tratamento dado a ela por Florestan Fernandes e seus assistentes. Eles mostraram como a não-integração dos ex-escravos à ordem social competitiva após a Abolição, bem como de parcela significativa dos homens livres pobres, constitui um dos indícios mais reveladores da forma conservadora pela qual se processou, entre nós, a modernização capitalista.


Lembro, por exemplo, da tese de Octavio Ianni, apresentada no livro por Elide Rugai Bastos, de que, no contexto da desagregação da ordem social escravocrata, a própria identidade de “negro” ou “mulato”, transfiguração do ex-escravo operada pela ideologia racial então dominante, cristalizou um conjunto de representações sociais que, ao fim e ao cabo, acabaram por mantê-los em situação de submissão na sociedade de classes emergente.
Lilia Schwarcz: Todos os autores, à sua maneira, são centrais. Dentre os que você cita, Rebouças representou a nascente da intelectualidade negra do Império, com seus anseios de igualdade. Roberto Schwarz é grande intérprete do Brasil. Basta notar, entre outros, sua visão sobre a “originalidade da cópia” ou os descompassos entre escravidão e liberalismo.
Gilda de Melo e Souza apresenta reflexão fundamental e absolutamente original, dentre outros, sobre moda e sua importância num país como o Brasil. Mas a melhor resposta está mesmo nos competentes verbetes de Maria Alice Rezende, Leopoldo Waizbort e Heloisa Pontes. Os autores mostram como existem maneiras diferentes, e igualmente importantes, de interpretar o Brasil. Enfim, são todos autores que a partir de entradas diferentes têm como perspectiva uma interpretação relevante do Brasil.
No livro, nomes como André Rebouças, Gilda de Melo e Souza e Roberto Schwarz, não teriam tanto a pretensão de “interpretar” o Brasil, mas sim os condicionantes sociais de certo período histórico-cultural?


Por que a discussão racial entre nós persiste e gera polêmicas até os dias de hoje? A ponto de, creio, não ter em nosso calendário dia tão envolto em controvérsia como o da Consciência Negra.
Lilia: São questões de ordens diferentes. Eu tenho uma opinião particular sobre elas, que não tem a ver exatamente com o livro. Particularmente sou a favor, mas o dia da Consciência Negra é um dia polêmico porque no Brasil há a experiência de um preconceito silencioso, preconceito de ter preconceito (nos termos de Florestan Fernandes).
André: Entendendo que a complexidade envolvida na questão não permite de forma alguma respostas simples. E por isso não creio também que possa haver uma resposta unívoca para a centralidade da chamada “questão racial” na sociedade brasileira contemporânea. Eu diria, recuperando minha resposta a pergunta anterior, que isso ocorre, em parte, porque as escolhas do passado sempre trazem constrangimentos para as opções do presente.

A se considerar o sertanejo e o indígena como tipos ideais, ou arquétipos, vocês entendem que esses tipos humanos referem-se mais ao passado rural do que ao presente, com o rápido processo de urbanização do Brasil nas últimas décadas?
Lilia: Eu acho que não. Penso que o sertanejo, tal como tratado na literatura de início do século XX, guarda uma especificidade contextual, mas pode viajar no tempo e lembrar outras dicotomias -sertão/litoral, mas também questão urbana/rural; modernidade/barbárie. Nesse sentido, a questão urbana e rural no Brasil é ainda tema candente entre nós; representa um outro enigma e uma outra contradição. Ou seja, como é que se dá esse processo de construção da modernidade em países periféricos como o nosso? Quais são as fraturas da modernidade?

Temos assim uma questão presente, vista a partir de outras formas. Afinal, esse ano que passou mostrou como Euclides da Cunha não é bibliografia ultrapassada. Ele trata de grandes impasses ainda atuais: um Brasil dividido, os vários brasis, a impossibilidade de se pensar num país unificado. Essas questões continuam presentes, no meu entender.


 Como vocês entendem a atualidade de autores como Euclides de Cunha, Câmara Cascudo e Maria Isaura Pereira de Queiroz?
Lilia: Acho que respondi, em parte, essa questão. A importância de uma maneira geral, de um livro como esse –sem descurar que os autores sempre dialogam com seus contextos–, é que todos eles, no nosso entender, trafegam, tratam e iluminam questões que são importantíssimas para pensar embates contemporâneos, cada um à sua maneira. Maria Isaura com a questão do mandonismo, Câmara Cascudo com o tema do folclore, Euclides com a problemática dos vários brasis.Lembro sempre da frase de Macunaíma: triste do país sem memória. Esses são, pois, autores presentes, não ultrapassados no sentido evolutivo. O pensamento social se faz sempre a partir de continuidade e rupturas. Acentuar quebras é importante, mas encontrar famílias, tradições, continuidades é tarefa urgente, para não estarmos sempre “inventando a roda”.
André: A orientação positivista hegemônica nas ciências sociais até muito recentemente explica, em parte, a expectativa difusa de que a “ciência” praticada hoje teria plenas condições de solucionar as questões pertinentes colocadas pelas interpretações mais antigas. O problema é que várias questões que já foram objeto da reflexão dos nossos antecessores estão vivas no presente, como, por exemplo, a questão racial que você mesmo lembrou anteriormente.
Mas eu gostei muito da imagem do Macunaíma que a Lília usou. E creio que, em parte, foi isso mesmo que procuramos com o livro: contrariar o destino mais costumeiro reservado à nossa intelectualidade do passado (e não apenas a ela), que é viver o “brilho inútil das estrelas”, como Mario diz na rapsódia.
Nossa intenção ao recolocar as interpretações do Brasil em circulação para um público-alvo mais amplo do que o acadêmico não era afirmar necessariamente a sua validade cognitiva, embora isso seja possível em vários pontos; mas antes favorecer o reconhecimento de que são também forças sociopolíticas. Quer dizer, reconhecer que as formulações do pensamento e das ciências sociais do passado e do presente não são meras descrições externas do mundo, mas também participam, desde dentro, da orientação das condutas de indivíduos e grupos sociais e da modelagem das próprias instituições.


A interpretação deles ainda dá conta dos problemas do Brasil de hoje, na medida em que há elementos que talvez não se coadunem ao presente?
Lilia: Nunca se dá conta de tudo, e seria anacronismo cobrar isso deles. Afinal, muitos desses intérpretes não poderiam refletir sobre temas que desconheciam; como a globalização, por exemplo. É importante também você pensar como esses autores inauguram tradições na história do pensamento.
Essa é uma forma importante de relativizarmos nossos autores contemporâneos. Muitas vezes eles se remetem a tradições, releem, retraduzem pensadores do passado. Interpretações não surgem do nada, ou do exercício da genialidade isolada. Entender como o debate vem se nutrindo de outras perspectivas do passado é um dos objetivos dessa coletânea.

André: Concordo com a Lília, e acho que já respondi à questão anteriormente, ao menos em parte. Acrescentaria apenas que, mesmo considerando as mudanças notáveis dos últimos anos, a estrutura básica sobre a qual nossos autores do passado refletiram e nós prosseguimos desafiados a refletir, talvez, não tenha sido exatamente alterada substantivamente do ponto de vista social e político e nem mesmo esgotada em termos intelectuais. Como diz Theodor Adorno, o passado só estará “plenamente elaborado”, de fato, quando “estiverem eliminadas as causas do que passou”.

Como vocês veem o tema da violência nos grandes centros à luz de “interpretações” do Brasil, como a de Sérgio Buarque de Holanda, e seu pressuposto da “cordialidade”? A lhaneza no trato, como defende Sergio Buarque, sobrevive às relações conflituosas no ambiente urbano?
Lilia: Quando Holanda se refere ao homem cordial, ele não está obrigatoriamente fazendo o paralelo da não violência. Se o leitor tomar o interessante verbete de Robert Wegner, que escreveu sobre Sérgio Buarque, ou o próprio “Raízes do Brasil”, verá que a ideia é em tudo contrária a essa. Cordial vem de “cor”, de “coração”, e o problema no Brasil é que nós tratamos tudo na esfera da privacidade, e não apontamos para as instituições públicas.
Tal descompasso gera, sim, muitas formas de violência; e tal perspectiva nada tem não tem a ver com cordialidade, no sentido de boa convivência. Corrupção, nosso mau uso da máquina publica, a fragilidade institucional, são temas contemplados pelo professor Sérgio. Como você vê, mais uma vez não se trata de tema suplantado pelo tempo.

André: Exato. A violência é a contrapartida necessária da cordialidade, e ambas ganham significado particular tendo em vista a sociedade brasileira marcadamente pessoalizada, quer dizer, avessa ao tratamento impessoal e universal, que Sérgio Buarque, e outros autores, tinham em vista.
É o “código do sertão”, como dirá anos depois Maria Sylvia de Carvalho Franco (em “Homens Livres na Ordem Escravocrata”), ou seja, um padrão societário de ajustamento das relações sociais centrado no recurso à violência como forma normal, institucionalizada, positivamente valorada e moralmente legitimada de resolução de tensões e conflitos.


Entre os intelectuais com ciclos de aceitação e rejeição no Brasil, lembro de Oliveira Vianna. Na medida em que seu pensamento se volta para a proposta de um Estado autoritário, qual é a importância hoje dada a ele? Em que medida um pensamento de matiz autoritário ajudaria a “decifrar” o Brasil?

André: Entendo que, apesar da posição política pessoal de um autor, ou mesmo das relações estabelecidas entre suas ideias –intencionalmente ou não– e determinados projetos políticos, sua obra guarda sempre diferentes dimensões. O caso de Oliveira Vianna me parece exemplar. Destaco três motivos, a começar pelo fato, destacado pela Lilia, de que suas idéias não permanecem as mesmas ao longo de sua vida, nem foram sempre vencedoras nos embates intelectuais e institucionais que travou.
Em segundo lugar, pode-se lembrar que, quando passamos dos aspectos mais salientes –e mais datados– da obra e da trajetória de Oliveira Vianna e de sua recepção, e entramos nos aspectos teóricos mais gerais que encerra, é possível identificar um conjunto de proposições que conferem interesse mais amplo à sua sociologia política para além do sentido autoritário normativo a que está originalmente associada.
Por fim, lembraria que o menosprezo por determinados autores ou tradições intelectuais, como o pensamento autoritário, levou, frequentemente, a que se negligenciasse a vigência dessas formas de pensar no âmbito da cultura política. O que não deixa de ser ingênuo. Afinal, como já sugerimos, as ideias também são forças sociais e operam na orientação de condutas individuais e coletivas, além de contribuírem na configuração de instituições e processos culturais, políticos e sociais.


A questão anterior me faz pensar em nomes que foram influentes para a sustentação teórica do regime militar nos anos 60 e 70: Roberto Campos, Mario Henrique Simonsen, Golbery do Couto e Silva, hoje um tanto quanto esquecidos. Para vocês estes autores, da mesma forma que Oliveira Vianna, carecem de melhor avaliação de suas fortunas críticas para que possamos ter uma melhor aproximação de suas ideias?
André: Pelos motivos expostos na resposta anterior, minha opinião é que conhecer as interpretações desses autores e atores políticos, como quaisquer outros, constitui, sim, condição para uma compreensão mais detalhada dos processos recentes vividos pela sociedade brasileira.
Lilia: Não há qualquer veto a esses autores. Mas também penso que tomamos autores que possuem uma obra interpretativa do país. Na minha opinião, não há como limitar o pensamento desses autores a uma trajetória política. Se sim, então não mereceriam um verbete. O próprio Fernando Henrique foi selecionado, menos como político e mais a partir de sua obra, como pensador. Ao menos foi esse o desafio que demos para o Leôncio Martins Rodrigues, e foi isso que ele fez, com grande desenvoltura. Enfim, não se analisa uma obra desgarrada da biografia. Mas a biografia não é uma trava a condicionar a produção autoral.De Fernando Henrique Cardoso, creio, uma questão básica é discutir a convivência entre o intelectual e o exercício do poder. Para vocês, no período em que foi presidente da República, como FHC lidou com as tensões entre o intelectual, seu pensamento, portanto, e o poder?Lilia: Essa é uma questão muito difícil. Eu não me considero uma especialista em Fernando Henrique e concordo que essa relação entre o intelectual e o político não é de fácil doma. Eu acho que a grande inteligência do texto de Leôncio Martins Rodrigues é justamente a de investir nessa fronteira nada fácil. Por que Fernando Henrique foi selecionado para o livro, e não o Lula?
Nós tentamos tomar Fernando Henrique Cardoso como intelectual. Então é a questão da análise das suas obras que mais interessa. Ele está no livro como pensador, por mais que as duas esferas não se separem. Caso contrário, teríamos que fazer uma obra sobre políticos e suas ações; o que resultaria em outro livro. Interessante, sem dúvida, mas outro livro.
André: A inclusão de Fernando Henrique Cardoso no livro deve-se ao reconhecimento que a sua obra sociológica possui não apenas no Brasil, mas no mundo acadêmico em geral. Obra reconhecida como fundamental muito antes da Presidência da República, e isso continuará, a meu ver, pois ela é parte de um projeto intelectual muito consistente.
Sua interpretação sociológica da modernização capitalista em sociedade periféricas é fundamental. Interpretação desenvolvida tanto em relação à sociedade brasileira, como em “Capitalismo e Escravidão no Brasil Meridional” e “Empresário Industrial e Desenvolvimento Econômico”, como às sociedades latino-americanas em geral, como em “Dependência e Desenvolvimento na América Latina”.


TRÓPICO
http://p.php.uol.com.br/tropico/html/textos/3163,1.shl

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