sábado, 15 de maio de 2010

O poder e o papel do crítico – ou sobre o bom, o mal e o feio

Guilherme Jeronymo

Acompanhando parte do II Congresso de Jornalismo Cultural, promovido pela Revista Cult, acompanhei três debates que se complementaram, na manhã de 4/5, discutindo o papel da crítica, em especial no meio literário. Embora tenha-se chegado a muitos pontos consensuais, um embate acerca da legitimação da crítica nos meios digitais tornou-se o destaque da manhã, agitando a platéia, embora sem grande influência ou reflexo na mesa que a sucedeu.

Na primeira mesa esteve em pauta a formação do crítico literário, debatida pelos críticos Humberto Werneck e Manuel da Costa Pinto, pelo acadêmico e crítico Marcio Seligmann-Silva e pelo escritor Milton Hatoum, em debate consensual, mediado pelo crítico e escritor Frederico Barbosa. Focado no papel da crítica literária na formação do público leitor, e da leitura na formação dos escritores e críticos. Para Hatoum, “o crítico é um homem que sabe ler, e que ensina a ler”, de forma obstinada, até mesmo apaixonada. Costa Pinto destacou que “a crítica surge na modernidade, e se torna cada vez mais próxima do fazer literário, como em Borges”, e que a singularização crescente das obras levou à necessidade de uma mediação crítica. Fez-se notar ainda a atenção dos presentes para o cotidiano das redações jornalísticas, que torna as críticas uma resenha simples, institucional, das obras, não revelando nada nelas que não estivesse explícito na obra, com raras exceções, deixando a crítica mais consistente para um ambiente acadêmico.

Para Barbosa há no Brasil a idéia de que se falar do que já se leu, em especial nas obras clássicas da literatura, soa para a opinião pública como uma erudição desnecessária, o que é injusto, posto que “não é possível ser um crítico sem ler as obras fundamentais”, bagagem necessária. Hatoum, em relação à crítica pronta, coloca que mesmo o elogio tem de ser argumentado, pois não é com adjetivações que se convence o leitor a ler.


A segunda mesa, pretensamente uma discussão sobre o Jornalismo pós-mídias digitais, com a presença de Carlos Graieb, responsável pela reformulação do site da revista Veja, de Márion Strecker, diretora de conteúdo do portal UOL, e da acadêmica Ivana Bentes, coordenadora da Escola de Comunicação da UFRJ, além da apagada mediação do jornalista Endrigo Braz, discutiu a necessidade e a legitimação da crítica nos meios de comunicação empresariais, como a própria Veja e os jornais diários.

Strecker, dentre todos a mais centrada no tema proposto, posicionou-se dizendo haver muita informação e muitos produtos culturais disponíveis na internet hoje, mas talvez o jornalismo cultura nunca tenha sido tão desimportante. Para a jornalista, a criação de fenômenos culturais se dá cada vez mais ao largo da indústria cultural, onde a opinião não passa mais pelo crivo das instituições de mídia e alcança difusão ampla e gratuita. Nos grandes meios, há uma ditadura do sucesso na web, que compete com a auto-divulgação dos artistas nas mídias sociais. Esse conjunto de características leva-lhe a crer em um novo horizonte para o jornalismo cultural, que pode se tornar subproduto nas instituições ou buscar espaços independentes, talvez perdendo seu sentido e papel enquanto negócio.

O núcleo do debate se formou no antagonismo entre as posições de Graieb e Bentes. Este atacou a crítica ampla, de fora dos meios de comunicação institucionalizados, fomentada pelo custo extremamente baixo de se publicar e se expressar na web, defendendo que o papel das instâncias de mediação dos grandes meios é essencial para a cultura, no sentido de estabelecer uma relação colaborativa de referenciamento do conhecimento, construída nas redações. Para Graieb, o papel do jornalismo cultural é o de fazer um julgamento ponderado. Terminou sua análise na defensiva, explicitando que esperava de Ivana a discordância no tema como regra em sua exposição.

De fato, a acadêmica segue uma linha de análise bastante diferente do editor da Veja. Para Bentes, toda a defesa corporativa está na crise de um sistema, baseado na raridade de um bem – a informação – e na presença de alguns “iluminados”. A crise, por sua vez, se materializa nos mediadores e redações “fordistas”, cujo papel é sobrepujado pela crítica dos especialistas que circula nos meios livres, estabelecendo novos fluxos de informação e conhecimento. Tais redes estão destinadas a empregar as massas dos que hoje estudam nas escolas de comunicação.

Classificando este momento como uma espécie de “Capitalismo cognitivo”, que ameaça toda idéia de centralidade na informação, Bentes julaga que há hoje muita mediação, de qualidade inclusive, que não passa necessariamente pelas corporações tradicionais. Teceu ainda duras críticas a revista Veja, exaltando a platéia. Graieb não deixou por menos. Classificando a exposição de Bentes como ingênua, manteve sua defesa ao julgamento da crítica, necessário quando esta passa por um treinamento, um amadurecimento que cria algo como uma “mediação de relevância”. Tal formação, expõe o editor, demanda investimento de tempo e dinheiro, pois embora tenham caído os custos de publicação, aqueles de produção cultural, inclusive da crítica, se mantém. A discussão continuou, reforçando os pontos já estabelecidos, e tendo como objeto a validação de uma crítica ou julgamento.

Assumindo em parte o papel de mediação, Marión colocou que a internet é maravilhosa, mas também tem um enorme número de problemas, e que debater a crítica nela contida não é uma questão romântica, nem tampouco simples. Defendeu ainda a posição, baseada nas experiências do UOL com espaços de discussão na web, de que “se você quer acabar com um [espaço de discussão], deve tirar a moderação. Ele se esvazia, naturalmente”.

O debate que encerrou as atividades da manhã de 4/5, teve como tema “A crítica e os novos autores” e a presença de Fabio de Souza Andrade na mediação e dos críticos Antonio Gonçalves Filho, do grupo Estado, e Jerônimo Teixeira, da Veja, do acadêmico e crítico Alcir Pécora e da diretora editorial do grupo Record, Luciana Villas-Boas. Debatendo os modos de validação dos novos autores no mercado editorial e sua relação com a crítica, valorizaram os papéis da academia, criticada por analisar prioritariamente o experimental, das editoras, enquanto filtro para o novo, e dos meios de comunicação, buscando a apresentação à massa dos leitores do que tem sido produzido.

Tocou-se continuamente na questão da falta de espaço para a crítica, que não tem equipe para analisar as obras que chegam – apenas o grupo Record edita de 20 a 30 livros por mês. Para Pécora, “a crítica literária contemporânea é um problema para ela mesma, e tem de ser debatida constantemente, pois não há mais um paradigma fixo. Há muitas possibilidades, mas quase nenhum gancho”. Para Gonçalves Filho, a principal função do jornalismo literário é a de dar caminhos para a literatura, mesmo ante as “ditaduras de catálogo”, que delimitam a quantidade de obras que as editoras disponibilizam no mercado, e às quais mesmo as grandes editoras tem de se submeter. Villas-Boas expôs que o momento do mercado editorial brasileiro é positivo e promissor, mesmo sem se considerar o grande filão, que são as vendas para governos – na área da educação – os quais geralmente compram obras de autores consagrados. A editora teceu duras considerações a respeito da crítica universitária, que considerou se interessar somente pela literatura que da voz aos oprimidos ou em narrações experimentais, obras essas que não são bem recebidas pelo público, embora tenham grande influência na mídia.

Falta crítica de teatro nos jornais brasileiros

José Petrola

Hoje, os jornais fazem a crítica de teatro como se fosse uma avaliação puramente técnica. Esta é a opinião de Eduardo Tolentino, que já foi jornalista e atualmente é diretor do Grupo Tapa. Na avaliação do diretor, o que falta é um corpo crítico, que não se resuma a dois ou três jornais com apenas um crítico em cada.

Além disto, não se pode tratar do mesmo jeito manifestações culturais com propostas totalmente diferentes – por exemplo, um teatro universitário como o TUSP e um grande teatro comercial como o Abril. Fazer uma crítica de teatro não é o mesmo que repassar a ficha técnica do espetáculo e destacar o nome das grandes estrelas. “Antes os jornalistas eram formadores de opinião” – compara Tolentino.

Sérgio Carvalho, da Cia. Do Latão, também vê a atitude mercadológica da crítica como um problema. Contestando a frase de Samuel Wainer, segundo quem “a pena é livre, mas o papel é do dono”, o diretor afirma: “A pena não é livre. Ela é condicionada pelo olhar do mercado”. Ele compara o momento atual com a crítica do século XIX, orientada em torno do culto às estrelas do palco.

Nas palavras de Carvalho, foi no século XIX que a noção da individualidade dos atores (surgida após a Revolução Francesa) se transformou em culto a personalidades. Os críticos novecentistas não usavam mais os valores da aristocracia e sim os do mercado. Seus textos seguiam o modelo cronístico de comentar o texto, o primeiro ator e o público – sempre elogiando a estrela.

Segundo o diretor, a crítica ainda não conseguiu lidar com a encenação contemporânea, que questiona as regras do mercado. Desde o final do século XIX, com o naturalismo, as vanguardas artísticas questionam conceitos ligados à encenação, como a idéia de separar peças por gêneros (drama, comédia). Porém, o jornalismo não acompanhou este passo e, na opinião de Carvalho, valoriza o consumo hedonista de um público idealizado. “Os editores ainda preferem falar das grandes estrelas a receber novos atores”.

“Falta imaginação e espaço para o alternativo”. Como exemplo de jornal alternativo de cultura, Carvalho se lembra de “O Sarrafo”, publicação produzida por companhias teatrais de São Paulo e cuja linha editorial era condizente com o título. As matérias, podiam ser assinadas com pseudônimo e propor polêmicas, como uma que acusava a Volkswagen de financiar eventos com dinheiro público.

A crítica teatral Beth Néspoli avalia que falta espaço para a crítica teatral nos jornais. Também faltam críticos. Para ela, o trunfo do jornalismo na era da Internet é hierarquizar a avalanche de informações da rede. “Pago para ler aquele jornalista que faz a escolha da informação. Mas ele deixa de me interessar quando tem apenas 20 linhas”.

No caso do jornalismo cultural isto é mais difícil, porque ele ocupa uma posição marginal nas redações. “É difícil entender as especificidades do jornalismo cultural. No teatro, você vive aquele espetáculo, aquele dia, tem que ir lá e ver”. O repórter de cultura, numa rotina de redação pensada para outras coberturas, acaba assumindo uma jornada tripla.

O enxugamento de redações é um empecilho, porque diminui o debate. “Quando entrei, havia jovens e experientes, aprendia-se nas reuniões de pauta”. Havia intercâmbio entre os jornalistas mais experientes e os ingressantes. Beth se lembra de uma das primeiras pautas que sugeriu, sobre o diretor Zé Celso. Na redação, aceitaram a pauta, mas foi indicado um repórter experiente para a tarefa difícil de entrevistar o tropicalista.

O II Congresso de Jornalismo Cultural foi realizado de 3 a 6 de maio, no TUCA, em São Paulo, e contou com mais de 70 participantes do Brasil e do exterior.

CULTURA E MERCADO
http://www.culturaemercado.com.br/relatos/o-poder-e-o-papel-do-critico-%e2%80%93-ou-sobre-o-bom-o-mal-e-o-feio/
 

segunda-feira, 10 de maio de 2010

TEATRO COMO SISTEMA MODELIZANTE


por Elinês de AV. e Oliveira

A arte dramática é um objeto semiótico por natureza. O conceito do que entendemos hoje por teatro é originário do verbo grego "theastai" (ver, contemplar, olhar). Tão antiga quanto o homem, a noção de representação está vinculada ao ritual mágico e religioso primitivo. Acredita-se que o teatro nasceu no instante em que o homem primitivo colocou e tirou a máscara diante do espectador, com plena consciência do exercício de "simulação", de "representação", ou seja, do signo.

Tendo em seu alicerce o princípio da interdisciplinaridade, o teatro serve-se tanto da palavra enquanto signo como de outros sistemas semióticos não-verbais. Em sua essência, lida com códigos construídos a partir do gesto e da voz, responsáveis não só pela performance do espetáculo, como também pela linguagem. Gesto e voz tornam o teatro um texto da cultura. Para os semioticistas russos da década de 60, a noção de teatro como texto revela, igualmente, sua condição de sistema modelizante, ou melhor, de sistema semiótico cujos códigos de base - gesto e voz - se reportam a outros códigos como o espaço, o tempo e o movimento. A partir desses códigos se expandem outros sistemas sígnicos tais como o cenário, o movimento cênico do ator, o vestuário, a iluminação e a música entre outros. Graças à organização e combinação dos vários sistemas, legados da experiência individual ou social, da instrução e da cultura literária e artística, é que a audiência recodifica a mensagem desse texto tão antigo da cultura humana.


Contudo, o processo de modelização no teatro não é resultado apenas dos códigos que o constituem como linguagem. É preciso considerar também os códigos culturais organizadores dos gêneros, ou melhor, das formações discursivas que se reportam às esferas de uso da linguagem dentro de contextos sócio-culturais específicos. Quando os códigos do teatro se organizam para definir um gênero, é a própria cultura que manifesta seus traços diferenciais. Isso é o que se pode verificar no teatro popular seja de Shakespeare ou do nosso Ariano Suassuna, cujas autos ilustram muito propriamente o processo da modelização no teatro.

Cenário

O cenário enquanto sistema semiótico determina o espaço e o tempo da ação teatral. Contudo, para se entender o cenário em sua linguagem, é preciso recorrer à gramaticalidade de outras sistemas artísticos, como a pintura, a escultura, a arquitetura, a decoração, o design da iluminação. São esses sistemas que se encarregam de representar um espaço geográfico (uma paisagem, por exemplo), um espaço social (uma praça pública, uma cozinha, um bar) ou um espaço interior (a mente, as paixões, os conflitos, os sonhos, o imaginário humano). No cenário, ou apenas em um dos seus constituintes, se projeta o tempo: a época histórica, estações do ano, horas do dia, os momentos fugazes do imaginário. Existe ainda o caso dos espetáculos em que os recursos cenográficos estão na performance do ator, no ruído, no vestuário ou na iluminação

Gesto

O gesto é um dos organizadores fundamentais da gramática do teatro. É no gesto e também na voz que o ator cria a personagem (persona). Através de um sistema de signos codificados, tornou-se um instrumento de expressão indispensável na arte dramática ao exprimir os pensamentos através do movimento ou atitude da mão, do braço, da perna, da cabeça ou do corpo inteiro. Os signos gestuais podem acompanhar ou substituir a palavra, suprimir um elemento do cenário , um acessório, um sentimento ou emoção. Os teóricos do gesto acreditam ser possível fazer com a mão e o braço cerca de 700.000 signos.

Iluminação

Diferente dos demais sistemas sígnicos teatrais, a iluminação é um procedimento bastante recente. Sua introdução no espetáculo teatral, deu-se apenas no séc XVII, ganhando fôlego com a descoberta da eletricidade. A principal função da iluminação é delimitar o espaço cênico. Quando um facho de luz incide sobre um determinado ponto do palco, significa que é ali que a ação se desenrolará naquele momento. Além de delimitar o lugar da cena, a iluminação se encarrega de estabelecer relações entre o ator e os objetos; o ator e os personagens em geral. A iluminação "modela" através da luz o rosto, o corpo do ator ou um fragmento do cenário. As cores difundidas pela iluminação é um outro recurso que também permite uma leitura semiológica.

Movimento cênico do ator

As várias maneiras do ator se deslocar no espaço cênico, suas entradas e saídas ou sua posição com relação aos outros atores, aos acessórios, aos elementos do cenário ou até mesmo aos espectadores, podem representar os mais variados signos. A movimentação tanto cria a unidade do texto teatral como organiza e relaciona as seqüências no espaço cênico.

Música

A música sempre esteve presente no teatro, desde as suas origens. A música por se sesenvolver no tempo é o elemento dialógico por excelência do texto teatral. Dialoga com os movimentos do ator, explicita seu estado interior, contracena com a luz, com o espaço em todos os seus aspectos. Quando acrescentada a outros sistemas sígnicos de uma peça, o papel da música é o de enfatizar, ampliar, de desenvolver e até de desmentir ou substituir os signos dos outros sistemas. Um outro exemplo da utilização da música no teatro é a escolha que o diretor faz do tema musical que acompanha a entrada e a saída de um determinado personagem, tornando-a assim signo de cada uma delas.

Vestuário

Assim como na vida real, o vestuário no teatro se reporta a vários sistemas sígnicos da cultura. A sua decodificação pode indicar tanto o sexo quanto idade, classe social, profissão, nacionalidade, religião de um. No entanto, o poder semiológico do vestuário não se limita apenas a definir o personagem que o veste. O traje é também o signo que representa clima, época histórica, região, estação do ano, hora do dia. É interessante observar que em certas tradições teatrais, como na commedia della'arte por exemplo, a vestimenta torna-se uma espécie de "máscara" que vai identificar os tipos imutáveis (stock characters), que se repetem de geração a geração. Personagens como o avarento, o bufão, o rei, a megera, a donzela e o servo trapalhão entre outros. O vestuário é também um sistema de signos que se reporta a outros sistemas da cultura, como por exemplo a moda.

Voz

A voz é, antes de mais nada, elemento fundador do texto teatral, escrito ou não. Quando não vocalizado, o texto é gesto. É pela voz que o ator dá vida a seu personagem. Ela atua como uma "fronteira de liberdade" que o ator explora a seu modo, através da entoação, do ritmo, da rapidez e da intensidade com que ele pronuncia as palavras antes apenas escritas, criando desta forma, os mais variados signos. A voz e o gesto formam a performance, a linguagem primária do teatro.


SEMIÓTICA DA CULTURA
http://www.pucsp.br/pos/cos/cultura/teatro.htm
Pós-Teatro: Performance, Tecnologia e Novas Arenas de Representação


Renato Cohen

".......Mantra Cósmico, Rede de presenças, a conectividade da net cria uma corrente de consciências, de sonoridades, de narrativas que são tecidas a distância. No espaço-tempo geodésico das 12horas às 24 horas (horário SP) uma rede se constela criando uma geografia de 35 artistas e quatro cidades em link-São Paulo, Columbus (Ohio), Plymouth (UK) e Brasília. O Conceito é o do tempo real, do tempo epifânico e único. O espaço está aberto para a performance presencial e telemática. Espaço aberto para os interatores da rede e para os livre depoimentos . Uma ação que tem seu peso na materialidade do corpo e sua leveza no deslocamento das imagens...”
Texto Guia do Evento “Constelação” (2002)

1. Pós-Teatro

A criação de novas arenas de representação com a entrada, onipresente, do duplo virtual das redes telemáticas (WEB-Internet), amplifica o espectro da performação e da investigação cênica com novas circuitações, navegação de presenças e consciências na rede e criação de interiscrituras e textos colaborativos. Com uma imersão em novos paradigmas de simulação e conectividade, em detrimento da representação, a nova cena das redes, dos lofts, dos espaços conectados, desconstroi os axiomas da linguagem teatro: atuante, texto, público –ao vivo, num único espaço, instaurando o campo do Pós-Teatro.

A relação axiomática da cena : corpo-texto-audiência, enquanto rito, totalização, implicando interações ao vivo é deslocada para eventos intermediáticos onde a telepresença (on line) espacializa a recepção. O suporte redimensiona a presença, o texto alça-se a hipertexto, a audiência alcança a dimensão da globalidade. Instaura-se o topos da cena expandida: a cena das vertigens, das simultaneidades, dos paradoxos na avolumação do uso do suporte e da mediação nas intervenções com o real. Gera-se o real mediatizado, elevado ao paroxismo pelas novas tecnologias onde suportes telemáticos, redes de ambientes WEB (Internet), CD- Rom e hologramias que simulam outras relações de presença, imagem, virtualidade.
Na linha conceitual proposta por Rosalind Krauss (Escultura em Campo Ampliado) a cena Pós-Teatral é a cena ampliada, uma Gesamtkunstwerk onde as cidade, as redes, os espaços comunicantes são o cenário do trauerspiel contemporâneo. Uma cena que altera as noções de presença, corpo, espaço, tempo, textualidade, pela inserção da simultaneidade, da velocidade e que –ao mesmo tempo—é plena de dramaticidade ao figurar o acontecimento, o evenément, em escala social e subjetiva. Uma cena inclusiva , performática, que inclui inúmeras trocas entre cibernautas—em eventos de curadoria, como o evento Constelação (Sesc,2002 -ver foto, anexa), curadoria Renato Cohen, rede que linkou ,em tempo real, quatro centros de irradiação (Sesc-São Paulo, Caiia Center-UK, Ohio Media Center-Columbus, USA e Centro de Mídia-UNB), num período de 12 horas com seqüência de performances e interiscrituras---- e eventos livres, autonômos, na produção micropolítica e desejante dos cibernautas—em chats, web-cam e páginas pessoais.
A contaminação do tatro com as artes visuais, cinéticas e eletrônicas dá um novo salto, com a emergência das redes telemáticas, que permeiam uma comunicação em tempo real, e uma extensão do corpo e da presença (o corpo extenso) —que é eminentemente performatizada . A partir dos anos 90, os novos mídia tecnológicos (web-art, artetelemática, net-art) com novos recursos de mediação, virtualização e amplificação de presença passam a impor outras direções às experiências radicais da Performance e do Teatro : Johannes Birringer1 nomeia um novo espaço monádico de performação—a sala tecnológica, recebendo imputs em tempo real—em contraposição à sala instalação , remetida às Artes Plásticas. Como em sua criação Vespucci (1999)2, performance com uso de espaço computacional, cantoras líricas e bailarinas, alimentadas em tempo real por informações da Nasa e redes de CD-Rom, onde o público recompõe todo o hipertexto da criação. Esses novos espaços de performação, intensamente alimentados por dados --em tempo real—colocam os performers e a audiência em espaços simulados de improviso e presentificação.
Essa extensão, do espaço cênico, no espaço virtual, não pressupõe, a nosso ver, uma “desrealização” das formas e presenças e sim uma reconfiguração de cena e comunicação à luz dos novos suportes e materializações da Arte-Ciência contemporâneas. Esse projeto de “desrealização” da cena, na verdade, um ataque à cena naturalista, tem sua gênese no século XX, com o projeto de um teatro não mimético—na cena bio-mecânica de Meierhold, na rota das sur-marionetes de Gordon Craig, nas utopias futuristas de Khlébnikov , Shlemmer e El Lissitski, que intentam um corpo que atravesse os médiuns (khlébnikov fala de uma linguagem mediúnica, o zaum, que atravesse os mídias).
Nesse projeto –antirealista- novas escrituras se desenham: Klhébnikov cria o KA (1916) –um prenúncio de hipertexto que enumera o Egito de Amenóphis e as terras do homem do futuro. O suprematista Kasimir Malévitch e Maiacovsky, desenham ícones abstratos e palavras autonômas na criação de uma nova cena da poiesis. São fundantes, dessa gênese , o formalismo futurista, o sonorismo dadá, a fluxo automático dos surrealistas-- e as experimentações com a body-art, o conceitualismo, e o minimalismo que vão compor as matrizes da cena contemporânea
No projeto contemporâneo, uma cena pré-virtual, se desenha nos experimentos da
Arte-Perfomance em inúmeras intervenções com tecnologia, juntando corpo, narrativa e pesquisa de suportes: dos experimentos sonoros de John Cage, à dança autogerativa e numérica de Merce Cuningham, dos experimentos da fax-art, net-art realizados pelo Fluxus às vídeo-performances de Nan June Paik, do vocoder e digitalidade de Laurie Anderson às paisagens tecnológicas de Stefen Haloway.
Essa cena produz uma nova teatralidade, polifônica e polissêmica que é devolvida, também, aos edifícios teatro em espetáculos multimídia como as óperas do encenador Robert Wilson -Life&Times of Joseph Stalin(1973)3 , Einstein on the Beach (1975), com passagens marcantes pelo Brasil, cujas óperas inaugurais permeadas por sonoridades, abrupções, tecnologia, performance, idiossincrasia sobrepõe o onirismo, a visão multifacetada, a ultracognitividade equiparando paisagens visuais, textualidades, performers, luminescências, numa cena de intensidades em que os vários procedimentos criativos trafegam sem as hierarquias clássicas texto-ator-narrativa; nos planos simultâneos do discurso do Wooster Group, na escritura distópica de Samuel Beckett, na dança minimal de Lucinda Childs e, num leque mais amplo em trabalhos tão distintos como os environment plásticos de Christo--citados por Gerald Thomas, às epifanias visuais de Bill Violla e Gary Hill.
As novas estruturas textuais perpassam o uso do intertexto -- enquanto fusão de enunciantes e códigos; a interescritura -- onde a mediação tecnológica (rede Internet) possibilita a co-autoria simultânea; o texto síntese ideogrâmico -- na fusão das antinomias ; o texto partitura -- inscrevendo imagem, deslocamento, sonoridades e a escritura em processo , que inscreve temporalidade, incorporando acaso, deriva e simultaneidade. Na composição do texto espetacular -- em interelações de autoria, encenação e performance -- o hipertexto sígnico estabelece a trama entre o texto lingüístico, o texto storyboard -- de imagens, e o texto partitura -- geografia dos deslocamentos espaço-temporais.
Hipertexto4 que aqui é definido enquanto superposição de textos incluindo conjunto de obra, textos paralelos, memórias, citação e exegese. O semiólogo russo Iuri Lotman (Universe of the Mind, 1997), nomeia o grande hipertexto da cultura depositário de historiografia, memória, campo imaginal e dos arques primários.
Essa nova cena está ancorada em alternâncias de fluxos sêmicos e de suportes, instalando o hipersigno teatral, da mutação, da desterritorialização, da pulsação do híbrido. O contemporâneo contempla o múltiplo, a fusão, a diluição de gêneros: trágico, lírico, épico, dramático; epifania, crueldade e paródia convivem na mesma cena, consubstanciando uma escritura não seqüencial, corporificando o paradigma da descentralização , formulado por Derrida, para quem o centro é uma função não uma entidade de realidade. Gesta-se nessa tessitura hipertextual, a grande “memória interativa”, rizomática, em recursos de proliferação, mediação e subjetivação.

2. O Pós –Dramático

As novas escrituras e suportes cênicos instauram novos espaços dramáticos pela incorporação do acontecimento em tempo real—em clara miscigenação do espaços do real e do ficcional. Mitologias pessoais, fetiches, comunicações na rede , acidentes, compõe a grande cena das redes.
Por outro lado, o dilema, já apontado por Walter Benjamim, ao digladiar com as filosofias iluministas e materialistas--- para quem o tempo é matéria quantificável, o progresso está ligado às idéias de futuro e as técnicas são suportes para a dominação da natura –é retomado no contemporâneo, que supera , a nosso ver, o cinismo pós-moderno articulado nas idéias de paródia, pastiche e fetichismo, resgatando a prioridade de um sujeito da experiência, de um tempo de presentificação e de transcendência, da teckné em estreita relação com a phisis.
Retoma-se , com as redes, um espaço de autoria e de mídiaativismo que se contrapõe ao discurso dominante do Broadcasting televisivo.
Ao criador contemporâneo lega-se portanto, de um lado, a extrema experimentação e busca pessoal, nos complexos territórios da trauerspiel (“tragédia da existência”) apontados por Benjamim, por mecanismos que se direcionam para a construção de uma mitologia pessoal, e de outro, o contato premente com as novas técnicas, que antes que obliterar os sentidos propõe a ampliação do telos humano.


BIBLIOGRAFIA REFERENCIAL:


ATZORI, Paolo. “Extended-Body an Interview With Stelarc”. Digital Delirium, p195-199/s/d.


BIRRINGER, Johannes . Media & Performance Along the Border Baltimore, The Johns Hopkins University Press, 1998.


LANDOW, George P. Hypertext 2.0 The Convergence of Contemporary Critical Theory and Technology. The Johns Hopkins University Press, Baltimore, 1992.


PRADO, Gilbertto.”Experimentações Artísticas em redes telemáticas e WEB” In Interlab-Labirintos do Pensamento Contemporâneo (org. Lucia Leão), Iluminuras, São paulo, 2002.

Instituto Itaúcultural

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