sábado, 15 de maio de 2010

O poder e o papel do crítico – ou sobre o bom, o mal e o feio

Guilherme Jeronymo

Acompanhando parte do II Congresso de Jornalismo Cultural, promovido pela Revista Cult, acompanhei três debates que se complementaram, na manhã de 4/5, discutindo o papel da crítica, em especial no meio literário. Embora tenha-se chegado a muitos pontos consensuais, um embate acerca da legitimação da crítica nos meios digitais tornou-se o destaque da manhã, agitando a platéia, embora sem grande influência ou reflexo na mesa que a sucedeu.

Na primeira mesa esteve em pauta a formação do crítico literário, debatida pelos críticos Humberto Werneck e Manuel da Costa Pinto, pelo acadêmico e crítico Marcio Seligmann-Silva e pelo escritor Milton Hatoum, em debate consensual, mediado pelo crítico e escritor Frederico Barbosa. Focado no papel da crítica literária na formação do público leitor, e da leitura na formação dos escritores e críticos. Para Hatoum, “o crítico é um homem que sabe ler, e que ensina a ler”, de forma obstinada, até mesmo apaixonada. Costa Pinto destacou que “a crítica surge na modernidade, e se torna cada vez mais próxima do fazer literário, como em Borges”, e que a singularização crescente das obras levou à necessidade de uma mediação crítica. Fez-se notar ainda a atenção dos presentes para o cotidiano das redações jornalísticas, que torna as críticas uma resenha simples, institucional, das obras, não revelando nada nelas que não estivesse explícito na obra, com raras exceções, deixando a crítica mais consistente para um ambiente acadêmico.

Para Barbosa há no Brasil a idéia de que se falar do que já se leu, em especial nas obras clássicas da literatura, soa para a opinião pública como uma erudição desnecessária, o que é injusto, posto que “não é possível ser um crítico sem ler as obras fundamentais”, bagagem necessária. Hatoum, em relação à crítica pronta, coloca que mesmo o elogio tem de ser argumentado, pois não é com adjetivações que se convence o leitor a ler.


A segunda mesa, pretensamente uma discussão sobre o Jornalismo pós-mídias digitais, com a presença de Carlos Graieb, responsável pela reformulação do site da revista Veja, de Márion Strecker, diretora de conteúdo do portal UOL, e da acadêmica Ivana Bentes, coordenadora da Escola de Comunicação da UFRJ, além da apagada mediação do jornalista Endrigo Braz, discutiu a necessidade e a legitimação da crítica nos meios de comunicação empresariais, como a própria Veja e os jornais diários.

Strecker, dentre todos a mais centrada no tema proposto, posicionou-se dizendo haver muita informação e muitos produtos culturais disponíveis na internet hoje, mas talvez o jornalismo cultura nunca tenha sido tão desimportante. Para a jornalista, a criação de fenômenos culturais se dá cada vez mais ao largo da indústria cultural, onde a opinião não passa mais pelo crivo das instituições de mídia e alcança difusão ampla e gratuita. Nos grandes meios, há uma ditadura do sucesso na web, que compete com a auto-divulgação dos artistas nas mídias sociais. Esse conjunto de características leva-lhe a crer em um novo horizonte para o jornalismo cultural, que pode se tornar subproduto nas instituições ou buscar espaços independentes, talvez perdendo seu sentido e papel enquanto negócio.

O núcleo do debate se formou no antagonismo entre as posições de Graieb e Bentes. Este atacou a crítica ampla, de fora dos meios de comunicação institucionalizados, fomentada pelo custo extremamente baixo de se publicar e se expressar na web, defendendo que o papel das instâncias de mediação dos grandes meios é essencial para a cultura, no sentido de estabelecer uma relação colaborativa de referenciamento do conhecimento, construída nas redações. Para Graieb, o papel do jornalismo cultural é o de fazer um julgamento ponderado. Terminou sua análise na defensiva, explicitando que esperava de Ivana a discordância no tema como regra em sua exposição.

De fato, a acadêmica segue uma linha de análise bastante diferente do editor da Veja. Para Bentes, toda a defesa corporativa está na crise de um sistema, baseado na raridade de um bem – a informação – e na presença de alguns “iluminados”. A crise, por sua vez, se materializa nos mediadores e redações “fordistas”, cujo papel é sobrepujado pela crítica dos especialistas que circula nos meios livres, estabelecendo novos fluxos de informação e conhecimento. Tais redes estão destinadas a empregar as massas dos que hoje estudam nas escolas de comunicação.

Classificando este momento como uma espécie de “Capitalismo cognitivo”, que ameaça toda idéia de centralidade na informação, Bentes julaga que há hoje muita mediação, de qualidade inclusive, que não passa necessariamente pelas corporações tradicionais. Teceu ainda duras críticas a revista Veja, exaltando a platéia. Graieb não deixou por menos. Classificando a exposição de Bentes como ingênua, manteve sua defesa ao julgamento da crítica, necessário quando esta passa por um treinamento, um amadurecimento que cria algo como uma “mediação de relevância”. Tal formação, expõe o editor, demanda investimento de tempo e dinheiro, pois embora tenham caído os custos de publicação, aqueles de produção cultural, inclusive da crítica, se mantém. A discussão continuou, reforçando os pontos já estabelecidos, e tendo como objeto a validação de uma crítica ou julgamento.

Assumindo em parte o papel de mediação, Marión colocou que a internet é maravilhosa, mas também tem um enorme número de problemas, e que debater a crítica nela contida não é uma questão romântica, nem tampouco simples. Defendeu ainda a posição, baseada nas experiências do UOL com espaços de discussão na web, de que “se você quer acabar com um [espaço de discussão], deve tirar a moderação. Ele se esvazia, naturalmente”.

O debate que encerrou as atividades da manhã de 4/5, teve como tema “A crítica e os novos autores” e a presença de Fabio de Souza Andrade na mediação e dos críticos Antonio Gonçalves Filho, do grupo Estado, e Jerônimo Teixeira, da Veja, do acadêmico e crítico Alcir Pécora e da diretora editorial do grupo Record, Luciana Villas-Boas. Debatendo os modos de validação dos novos autores no mercado editorial e sua relação com a crítica, valorizaram os papéis da academia, criticada por analisar prioritariamente o experimental, das editoras, enquanto filtro para o novo, e dos meios de comunicação, buscando a apresentação à massa dos leitores do que tem sido produzido.

Tocou-se continuamente na questão da falta de espaço para a crítica, que não tem equipe para analisar as obras que chegam – apenas o grupo Record edita de 20 a 30 livros por mês. Para Pécora, “a crítica literária contemporânea é um problema para ela mesma, e tem de ser debatida constantemente, pois não há mais um paradigma fixo. Há muitas possibilidades, mas quase nenhum gancho”. Para Gonçalves Filho, a principal função do jornalismo literário é a de dar caminhos para a literatura, mesmo ante as “ditaduras de catálogo”, que delimitam a quantidade de obras que as editoras disponibilizam no mercado, e às quais mesmo as grandes editoras tem de se submeter. Villas-Boas expôs que o momento do mercado editorial brasileiro é positivo e promissor, mesmo sem se considerar o grande filão, que são as vendas para governos – na área da educação – os quais geralmente compram obras de autores consagrados. A editora teceu duras considerações a respeito da crítica universitária, que considerou se interessar somente pela literatura que da voz aos oprimidos ou em narrações experimentais, obras essas que não são bem recebidas pelo público, embora tenham grande influência na mídia.

Falta crítica de teatro nos jornais brasileiros

José Petrola

Hoje, os jornais fazem a crítica de teatro como se fosse uma avaliação puramente técnica. Esta é a opinião de Eduardo Tolentino, que já foi jornalista e atualmente é diretor do Grupo Tapa. Na avaliação do diretor, o que falta é um corpo crítico, que não se resuma a dois ou três jornais com apenas um crítico em cada.

Além disto, não se pode tratar do mesmo jeito manifestações culturais com propostas totalmente diferentes – por exemplo, um teatro universitário como o TUSP e um grande teatro comercial como o Abril. Fazer uma crítica de teatro não é o mesmo que repassar a ficha técnica do espetáculo e destacar o nome das grandes estrelas. “Antes os jornalistas eram formadores de opinião” – compara Tolentino.

Sérgio Carvalho, da Cia. Do Latão, também vê a atitude mercadológica da crítica como um problema. Contestando a frase de Samuel Wainer, segundo quem “a pena é livre, mas o papel é do dono”, o diretor afirma: “A pena não é livre. Ela é condicionada pelo olhar do mercado”. Ele compara o momento atual com a crítica do século XIX, orientada em torno do culto às estrelas do palco.

Nas palavras de Carvalho, foi no século XIX que a noção da individualidade dos atores (surgida após a Revolução Francesa) se transformou em culto a personalidades. Os críticos novecentistas não usavam mais os valores da aristocracia e sim os do mercado. Seus textos seguiam o modelo cronístico de comentar o texto, o primeiro ator e o público – sempre elogiando a estrela.

Segundo o diretor, a crítica ainda não conseguiu lidar com a encenação contemporânea, que questiona as regras do mercado. Desde o final do século XIX, com o naturalismo, as vanguardas artísticas questionam conceitos ligados à encenação, como a idéia de separar peças por gêneros (drama, comédia). Porém, o jornalismo não acompanhou este passo e, na opinião de Carvalho, valoriza o consumo hedonista de um público idealizado. “Os editores ainda preferem falar das grandes estrelas a receber novos atores”.

“Falta imaginação e espaço para o alternativo”. Como exemplo de jornal alternativo de cultura, Carvalho se lembra de “O Sarrafo”, publicação produzida por companhias teatrais de São Paulo e cuja linha editorial era condizente com o título. As matérias, podiam ser assinadas com pseudônimo e propor polêmicas, como uma que acusava a Volkswagen de financiar eventos com dinheiro público.

A crítica teatral Beth Néspoli avalia que falta espaço para a crítica teatral nos jornais. Também faltam críticos. Para ela, o trunfo do jornalismo na era da Internet é hierarquizar a avalanche de informações da rede. “Pago para ler aquele jornalista que faz a escolha da informação. Mas ele deixa de me interessar quando tem apenas 20 linhas”.

No caso do jornalismo cultural isto é mais difícil, porque ele ocupa uma posição marginal nas redações. “É difícil entender as especificidades do jornalismo cultural. No teatro, você vive aquele espetáculo, aquele dia, tem que ir lá e ver”. O repórter de cultura, numa rotina de redação pensada para outras coberturas, acaba assumindo uma jornada tripla.

O enxugamento de redações é um empecilho, porque diminui o debate. “Quando entrei, havia jovens e experientes, aprendia-se nas reuniões de pauta”. Havia intercâmbio entre os jornalistas mais experientes e os ingressantes. Beth se lembra de uma das primeiras pautas que sugeriu, sobre o diretor Zé Celso. Na redação, aceitaram a pauta, mas foi indicado um repórter experiente para a tarefa difícil de entrevistar o tropicalista.

O II Congresso de Jornalismo Cultural foi realizado de 3 a 6 de maio, no TUCA, em São Paulo, e contou com mais de 70 participantes do Brasil e do exterior.

CULTURA E MERCADO
http://www.culturaemercado.com.br/relatos/o-poder-e-o-papel-do-critico-%e2%80%93-ou-sobre-o-bom-o-mal-e-o-feio/
 

Nenhum comentário: