CORTE SECO
CIA. VÉRTICE - ENCENAÇÃO DE CHRISTIANE JATAHY
Havia um tempo em que era quase pecado mostrar os artifícios que há por trás de uma encenação. As inúmeras decisões do diretor, os vacilos dos atores e, sobretudo, a arquitetura do espetáculo deviam mostrar-se prontos e acabados para o público. Hoje, esse modelo, ainda que sobreviva, não é o único.
Corte Seco, da Cia. Vértice de Teatro, mostra as possibilidade de ampliação da experiência teatral quando se rompem as convenções teatrais. Alguns chama isso de metalinguagem, mas é muito mais. A metaliguagem, se fosse o caso, seria um recurso que revelaria o funcionamento da comunicação teatral, a peça dentro da peça. Em Corte Seco, ocorre um embaralhamento entre real, imaginário e representação. Por extensão, entre a vida dos atores e das personagens, entre o improviso e a marcação. Em outros termos, entre o real e o ficcionado.
No palco, a própria diretora, Christiane Jatahy, faz intervenções e muda a ordem das cenas. Será verdade ou foi tudo combinado? Esse mistério é muito excitante. Atores e atrizes são chamados por seus nomes reais. Mas seriam reais ou artísticos? Para complicar ainda mais o jogo, há no elenco celebridades (Du Moscovis, Marjorie Estiano), convivendo/contracenando com quem nunca apareceu na revista Caras. O uso do vídeo, que capta imagens de fora do teatro em tempo real, expande ainda mais as possibilidades de interpretação.
Mas e as histórias? São várias e se cruzam. Há o casal em crise porque ela não quer ter filhos. Há o menino apaixonado pela atriz famosa. Tem até um garoto que revela querer ser mulher. A mãe responde que já sabia que ele usava suas roupas escondido, mas pensava que era um segredinho entre eles.
Se no teatro do absurdo representava-se o vazio, Corte Seco inverte a equação e aponta para o vazio da representação. No lugar da angústia, a fruição do tempo. E o deleite de saber que a história sempre pode ser diferente.
OS SISTEMAS - O PROCESSO
Quem assistiu o Corte Seco sabe que há vários sistemas dramatúrgicos que constituem a peça e, explicitamente ou secretamente, guiam a narrativa e os desdobramentos de uma certa ação. Estes sistemas foram aplicados pela diretora com base nas propostas de José Sanchis Sinisterra e adicionam à peça um sabor de jogo que cresce a cada cena. No vídeo abaixo estão Leonardo Netto e Ricardo Santos bem no início dos ensaios criando aquele que foi o primeiro sistema do processo. Ele se chama “5 Vezes” e é explicado por Chris Jatahy – aconselhamos colocar um fone de ouvido e mergulhar um pouco mais no estágio de criação da peça.
O sistema acima se transformou na cena de Ricardo e Branca Messina. Pedimos para o ator Leo Netto (no vídeo, de camisa azul) para nos falar um pouco sobre outros sistemas utilizados e como eles se tornaram parte da peça, ele escreve abaixo (essa é apenas para quem já viu o espetáculo!):
■A cena que eu faço com a Thereza (Piffer) no “entrelaçados” (cenas rápidas entrecortadas pela diretora, logo no início da peça) surgiu de uma improvisação que eu fiz com o Pedro Brício, seguindo um sistema do Sinisterra onde uma pessoa tem que ensinar outra a fazer algo. Tive a idéia de ensinar o Pedro a lidar com más notícias
■A cena do baralho com a Stellinha, dos irmãos que foram abusados pelo vizinho na infância, também foi uma improvisação baseada em outro sistema onde “A ajuda B a lembrar”
■A cena da metalinguagem, com o Du (Moscovis) e Felipe (Abib), foi improvisada apartir do sistema “Situação Limite”
■A cena da família surgiu de um processo da vara de família onde a mãe pedia na justiça o direito de probir o filho travesti de se vestir de mulher dentro de casa. Inspirados por esse fato, improvisamos também com o sistema “Situação Limite”. Por isso nós fazemos essa cena no espetáculo realizando o sistema que eu e Du tentamos fazer com o Felipe na metalinguagem. Porque as duas cenas foram criadas com o mesmo sistema.
CorteSeco_5X from Corte Seco on Vimeo.
Maiores informações, desdobramentos, comentários - visite o site da Cia. Vértice
http://corteseco.com/tag/corte-seco/
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