Pós-Teatro: Performance, Tecnologia e Novas Arenas de Representação
Renato Cohen
".......Mantra Cósmico, Rede de presenças, a conectividade da net cria uma corrente de consciências, de sonoridades, de narrativas que são tecidas a distância. No espaço-tempo geodésico das 12horas às 24 horas (horário SP) uma rede se constela criando uma geografia de 35 artistas e quatro cidades em link-São Paulo, Columbus (Ohio), Plymouth (UK) e Brasília. O Conceito é o do tempo real, do tempo epifânico e único. O espaço está aberto para a performance presencial e telemática. Espaço aberto para os interatores da rede e para os livre depoimentos . Uma ação que tem seu peso na materialidade do corpo e sua leveza no deslocamento das imagens...”
Texto Guia do Evento “Constelação” (2002)
1. Pós-Teatro
A criação de novas arenas de representação com a entrada, onipresente, do duplo virtual das redes telemáticas (WEB-Internet), amplifica o espectro da performação e da investigação cênica com novas circuitações, navegação de presenças e consciências na rede e criação de interiscrituras e textos colaborativos. Com uma imersão em novos paradigmas de simulação e conectividade, em detrimento da representação, a nova cena das redes, dos lofts, dos espaços conectados, desconstroi os axiomas da linguagem teatro: atuante, texto, público –ao vivo, num único espaço, instaurando o campo do Pós-Teatro.
A relação axiomática da cena : corpo-texto-audiência, enquanto rito, totalização, implicando interações ao vivo é deslocada para eventos intermediáticos onde a telepresença (on line) espacializa a recepção. O suporte redimensiona a presença, o texto alça-se a hipertexto, a audiência alcança a dimensão da globalidade. Instaura-se o topos da cena expandida: a cena das vertigens, das simultaneidades, dos paradoxos na avolumação do uso do suporte e da mediação nas intervenções com o real. Gera-se o real mediatizado, elevado ao paroxismo pelas novas tecnologias onde suportes telemáticos, redes de ambientes WEB (Internet), CD- Rom e hologramias que simulam outras relações de presença, imagem, virtualidade.
Na linha conceitual proposta por Rosalind Krauss (Escultura em Campo Ampliado) a cena Pós-Teatral é a cena ampliada, uma Gesamtkunstwerk onde as cidade, as redes, os espaços comunicantes são o cenário do trauerspiel contemporâneo. Uma cena que altera as noções de presença, corpo, espaço, tempo, textualidade, pela inserção da simultaneidade, da velocidade e que –ao mesmo tempo—é plena de dramaticidade ao figurar o acontecimento, o evenément, em escala social e subjetiva. Uma cena inclusiva , performática, que inclui inúmeras trocas entre cibernautas—em eventos de curadoria, como o evento Constelação (Sesc,2002 -ver foto, anexa), curadoria Renato Cohen, rede que linkou ,em tempo real, quatro centros de irradiação (Sesc-São Paulo, Caiia Center-UK, Ohio Media Center-Columbus, USA e Centro de Mídia-UNB), num período de 12 horas com seqüência de performances e interiscrituras---- e eventos livres, autonômos, na produção micropolítica e desejante dos cibernautas—em chats, web-cam e páginas pessoais.
A contaminação do tatro com as artes visuais, cinéticas e eletrônicas dá um novo salto, com a emergência das redes telemáticas, que permeiam uma comunicação em tempo real, e uma extensão do corpo e da presença (o corpo extenso) —que é eminentemente performatizada . A partir dos anos 90, os novos mídia tecnológicos (web-art, artetelemática, net-art) com novos recursos de mediação, virtualização e amplificação de presença passam a impor outras direções às experiências radicais da Performance e do Teatro : Johannes Birringer1 nomeia um novo espaço monádico de performação—a sala tecnológica, recebendo imputs em tempo real—em contraposição à sala instalação , remetida às Artes Plásticas. Como em sua criação Vespucci (1999)2, performance com uso de espaço computacional, cantoras líricas e bailarinas, alimentadas em tempo real por informações da Nasa e redes de CD-Rom, onde o público recompõe todo o hipertexto da criação. Esses novos espaços de performação, intensamente alimentados por dados --em tempo real—colocam os performers e a audiência em espaços simulados de improviso e presentificação.
Essa extensão, do espaço cênico, no espaço virtual, não pressupõe, a nosso ver, uma “desrealização” das formas e presenças e sim uma reconfiguração de cena e comunicação à luz dos novos suportes e materializações da Arte-Ciência contemporâneas. Esse projeto de “desrealização” da cena, na verdade, um ataque à cena naturalista, tem sua gênese no século XX, com o projeto de um teatro não mimético—na cena bio-mecânica de Meierhold, na rota das sur-marionetes de Gordon Craig, nas utopias futuristas de Khlébnikov , Shlemmer e El Lissitski, que intentam um corpo que atravesse os médiuns (khlébnikov fala de uma linguagem mediúnica, o zaum, que atravesse os mídias).
Nesse projeto –antirealista- novas escrituras se desenham: Klhébnikov cria o KA (1916) –um prenúncio de hipertexto que enumera o Egito de Amenóphis e as terras do homem do futuro. O suprematista Kasimir Malévitch e Maiacovsky, desenham ícones abstratos e palavras autonômas na criação de uma nova cena da poiesis. São fundantes, dessa gênese , o formalismo futurista, o sonorismo dadá, a fluxo automático dos surrealistas-- e as experimentações com a body-art, o conceitualismo, e o minimalismo que vão compor as matrizes da cena contemporânea
No projeto contemporâneo, uma cena pré-virtual, se desenha nos experimentos da
Arte-Perfomance em inúmeras intervenções com tecnologia, juntando corpo, narrativa e pesquisa de suportes: dos experimentos sonoros de John Cage, à dança autogerativa e numérica de Merce Cuningham, dos experimentos da fax-art, net-art realizados pelo Fluxus às vídeo-performances de Nan June Paik, do vocoder e digitalidade de Laurie Anderson às paisagens tecnológicas de Stefen Haloway.
Essa cena produz uma nova teatralidade, polifônica e polissêmica que é devolvida, também, aos edifícios teatro em espetáculos multimídia como as óperas do encenador Robert Wilson -Life&Times of Joseph Stalin(1973)3 , Einstein on the Beach (1975), com passagens marcantes pelo Brasil, cujas óperas inaugurais permeadas por sonoridades, abrupções, tecnologia, performance, idiossincrasia sobrepõe o onirismo, a visão multifacetada, a ultracognitividade equiparando paisagens visuais, textualidades, performers, luminescências, numa cena de intensidades em que os vários procedimentos criativos trafegam sem as hierarquias clássicas texto-ator-narrativa; nos planos simultâneos do discurso do Wooster Group, na escritura distópica de Samuel Beckett, na dança minimal de Lucinda Childs e, num leque mais amplo em trabalhos tão distintos como os environment plásticos de Christo--citados por Gerald Thomas, às epifanias visuais de Bill Violla e Gary Hill.
As novas estruturas textuais perpassam o uso do intertexto -- enquanto fusão de enunciantes e códigos; a interescritura -- onde a mediação tecnológica (rede Internet) possibilita a co-autoria simultânea; o texto síntese ideogrâmico -- na fusão das antinomias ; o texto partitura -- inscrevendo imagem, deslocamento, sonoridades e a escritura em processo , que inscreve temporalidade, incorporando acaso, deriva e simultaneidade. Na composição do texto espetacular -- em interelações de autoria, encenação e performance -- o hipertexto sígnico estabelece a trama entre o texto lingüístico, o texto storyboard -- de imagens, e o texto partitura -- geografia dos deslocamentos espaço-temporais.
Hipertexto4 que aqui é definido enquanto superposição de textos incluindo conjunto de obra, textos paralelos, memórias, citação e exegese. O semiólogo russo Iuri Lotman (Universe of the Mind, 1997), nomeia o grande hipertexto da cultura depositário de historiografia, memória, campo imaginal e dos arques primários.
Essa nova cena está ancorada em alternâncias de fluxos sêmicos e de suportes, instalando o hipersigno teatral, da mutação, da desterritorialização, da pulsação do híbrido. O contemporâneo contempla o múltiplo, a fusão, a diluição de gêneros: trágico, lírico, épico, dramático; epifania, crueldade e paródia convivem na mesma cena, consubstanciando uma escritura não seqüencial, corporificando o paradigma da descentralização , formulado por Derrida, para quem o centro é uma função não uma entidade de realidade. Gesta-se nessa tessitura hipertextual, a grande “memória interativa”, rizomática, em recursos de proliferação, mediação e subjetivação.
2. O Pós –Dramático
As novas escrituras e suportes cênicos instauram novos espaços dramáticos pela incorporação do acontecimento em tempo real—em clara miscigenação do espaços do real e do ficcional. Mitologias pessoais, fetiches, comunicações na rede , acidentes, compõe a grande cena das redes.
Por outro lado, o dilema, já apontado por Walter Benjamim, ao digladiar com as filosofias iluministas e materialistas--- para quem o tempo é matéria quantificável, o progresso está ligado às idéias de futuro e as técnicas são suportes para a dominação da natura –é retomado no contemporâneo, que supera , a nosso ver, o cinismo pós-moderno articulado nas idéias de paródia, pastiche e fetichismo, resgatando a prioridade de um sujeito da experiência, de um tempo de presentificação e de transcendência, da teckné em estreita relação com a phisis.
Retoma-se , com as redes, um espaço de autoria e de mídiaativismo que se contrapõe ao discurso dominante do Broadcasting televisivo.
Ao criador contemporâneo lega-se portanto, de um lado, a extrema experimentação e busca pessoal, nos complexos territórios da trauerspiel (“tragédia da existência”) apontados por Benjamim, por mecanismos que se direcionam para a construção de uma mitologia pessoal, e de outro, o contato premente com as novas técnicas, que antes que obliterar os sentidos propõe a ampliação do telos humano.
BIBLIOGRAFIA REFERENCIAL:
ATZORI, Paolo. “Extended-Body an Interview With Stelarc”. Digital Delirium, p195-199/s/d.
BIRRINGER, Johannes . Media & Performance Along the Border Baltimore, The Johns Hopkins University Press, 1998.
LANDOW, George P. Hypertext 2.0 The Convergence of Contemporary Critical Theory and Technology. The Johns Hopkins University Press, Baltimore, 1992.
PRADO, Gilbertto.”Experimentações Artísticas em redes telemáticas e WEB” In Interlab-Labirintos do Pensamento Contemporâneo (org. Lucia Leão), Iluminuras, São paulo, 2002.
Instituto Itaúcultural
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